sábado, 10 de abril de 2010

CARNAVAL ► Distribuição de renda melhora no país, mas não entre as escolas de samba


(Publicado em OBatuque.com em 8 de abril de 2010)

Mostram as estatísticas que a distribuição de renda no país apresenta gradual melhoria ao longo do atual governo. Ainda longe da ideal, mas uma situação bem mais animadora do que a que se apresentava, digamos, nos 500 anos antes.

Mas não vou entrar em detalhes econômicos. Ao menos, não diretamente relacionados à economia nacional. O lance aqui é comentar, tristemente, que qualquer melhora a esse nível verificada no país passa longe, muito longe, da realidade do mundo das escolas de samba.

Enquanto no país até uma nova classe consumidora surgiu, o que significa mais gente com poder de compra, pessoas que antes não faziam parte do mercado consumidor e agora fazem, entre as escolas de samba a riqueza segue concentrada cada vez mais nos cofres de poucas agremiações. E isso acontece graças ao injusto e discriminatório regulamento da Liesa.

 Já comentei aqui, muita gente reclama ali, mas a Liesa não está nem aí. A organização responsável pelo milionário desfile principal das escolas de samba insiste em rebaixar e ascender apenas uma agremiação a cada ano. É um horrível retrato da má concentração de renda no país, uma síntese dessa nossa triste sina histórica.

As escolas do grupo Especial recebem acima de 4 milhões de reais de diversas fontes para colocar seu carnaval na rua. Para as demais, trocados. Um trocado melhor, mas muito inferior, para o desfile do Acesso, organizado pela Lesga, com todo o jeitão da Liesa. E esmola para as demais escolas, as escolas da AESCRJ.

E lá da Liesa já ouvimos argumentos por muito tempo  – até hoje, na verdade – usados pela "elite" do país para manter os menos favorecidos fora disso, fora daquilo, à margem da sociedade, tipo: “Ah, mas as escolas dos grupos de acesso não têm estrutura para um desfile do porte do grupo Especial, por isso não podemos subir muitas escolas.”

Quanta discriminação, não é mesmo? Porque as escolas dos grupos de acesso só não têm a estrutura das escolas do grupo Especial porque as autoridades, da cidade e do carnaval, não deixam. Simples assim.

Se caíssem e subissem quatro escolas do grupo Especial, um número maior de escolas teria direito a receber a fortuna que as ricas coirmãs de cima recebem. E mesmo que caíssem de novo, já teriam obtido condições de dar uma melhorada na quadra, ajeitar um barracão para quando não estiver na Cidade do Samba (a “corte do reino”), de repente aprontar um estacionamento, agitar um trabalho social...

A partir daí, dessa "democracia" no grupo Especial, uma mais justa distribuição de verbas para os grupos de baixo, acabando com a demagogia dos governos municipal e estadual de dar mais para as escolas que precisam menos. 

Mas a intenção parece ser concentrar a renda sempre nas mãos dos mesmos. E daí começa-se a ouvir pelas esquinas que Beija-Flor não cai, Mangueira não cai, Unidos da Tijuca não cai, Salgueiro não cai... Bem, depois que a Portela não caiu naquele triste ano em que praticamente não desfilou, não restou muito de credibilidade aos resultados dos desfiles da Liesa. De todo modo, um  quadro que só muda quando a escola perde força na Liga, como aparentemente ocorreu com a Viradouro, "incaível" até pouco tempo atrás.

Enfim, há sete, oito escolas, que todo mundo comenta que “não cai”. Assim, essas escolas “incaíveis” ficam cada vez mais ricas e distanciam-se cada vez mais em questão de estrutura das demais escolas, pobres e discriminadas mortais.

A Cidade do Samba parece ter sido criada para essa elite, uma corte onde a plebe não tem direito de entrar. E a plebe, nesta história, é todo o conjunto de escolas de samba que não fazem parte do desfile principal. 

Todo mundo fatura com as escolas de samba e TODAS as escolas de samba fazem jus ao seu quinhão, pois compõem uma única célula cultural. Ou alguém acha que com o fim dos desfiles da AESCRJ, por exemplo, as escolas de samba "principais" resistiriam por muito tempo? 

Até porque escola de samba, mesmo, temos visto mais nos desfiles da AESCRJ, já que o milionário grupo principal hoje está mais para um grande e maravilhoso show de variedades, espécie de mistura das antigas e gloriosas grandes sociedades com Cirque Du Soleil, espetáculos de Vegas, paradas militares, painéis coreografados, aeróbica e agora até batidos truques de ilusionismo do que para desfile de escola de samba propriamente dito.

É preciso dar chance de crescer e de se estruturar a todas as escolas de samba. Mas o meio das escolas de samba, principalmente no que se refere àquelas que estão "lá em cima", parece contaminado pelos vírus da cobiça e do egoísmo, onde cada uma preocupa-se com o seu sem largar nem um pedaço do osso para quem precisa. E ainda ouvimos carnavalesco e dirigente chorando porque só teve 5, 6 milhões de reais para fazer o carnaval no grupo Especial...

E um carnaval cada vez mais impessoal, sem característica definida, em que se for trocado o nome da escola que estiver passando na Avenida ou na telinha pouca gente vai perceber. Todas estão muito parecidas e pouco destacam suas cores, parecendo não mais se orgulharem delas. Mas que, pelo menos, seja dado a todas, todas de todos os grupos, o direito de enriquecer também e assim ascender socialmente no reino das escolas de samba.

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