segunda-feira, 12 de julho de 2010

COPA DO MUNDO 2010 ► Espanha derrota Holanda na prorrogação e conquista seu primeiro Mundial

A primeira vez a gente nunca esquece. Ô clichê fácil e bobo, não é para isso que a gente estuda e aprende a escrever um pouco mais elaboradamente. Mas não deu para resistir. Os espanhóis, com certeza, não esquecerão. Com o Soccer City lotado e com direito à presença de Nelson Mandela no final do show de encerramento, a Espanha derrotou a Holanda por 1 x 0 no final da prorrogação e entrou para o seleto grupo de campeões mundiais de futebol (outro clichê, segunda-feira é fogo...).

Foi uma partida encardida, mal conduzida por um péssimo soprador de apito inglês que atende pelo nome de Howard Webb. Vou dizer uma coisa: quase deu saudade das arbitragens brasileiras. Brincadeirinha, nossas senhorias daqui são imbatíveis. Mas Webb foi péssimo. Não teve pulso para controlar o jogo duro imposto pela Holanda no primeiro tempo nem para punir jogadas desleais de parte a parte com o devido cartão vermelho. A primeira foi de Puyol, num claro revide ao estilo holandês de encarar essa decisão. O zagueiro espanhol entrou maldosamente por trás em Robben e foi premiado apenas com o cartão amarelo. Morrendo de inveja, num revide mais claro ainda, Van Bommel, logo em seguida entrou de carrinho nas pernas de Iniesta. Só aí já seriam dois límpidos lances de expulsão. Mas os piores viriam depois. Primeiro, ainda na etapa inicial, De Jong fez uma jogada absolutamente grotesca (achei mais grossa que desleal), mas estupidamente violenta, acertando com a sola o peito de Busquets, num lance que mais parecia um golpe marcial, tipo taekwondo. Webb, bonzinho como ele só, ficou no amarelo. Já no segundo tempo, fora da bola, Iniesta simplesmente agrediu Van Bommel depois de perder uma jogada (dessa vez, limpamente). O juizão viu a agressão, parou o jogo e fez aquele gesto que os árbitros do game Pro Evolution Soccer (ou Winning Eleven) costumam fazer com os braços, dizendo que "acabou". Mas não para o jogador, que nem o amarelinho recebeu.

Enfim, se disciplinarmente foi uma tragédia, tecnicamente Howard Webb também errou feio e ao menos um desses erros teve grave consequência - para os holandeses. Lá pelos 10 minutos do segundo tempo da prorrogação, a Holanda teve uma falta de média distância a seu favor, bem de frente para o gol. Sneijder cobrou e a bola desviou na barreira, quase entrando no ângulo direto de Casillas, que só pôde fazer golpe de vista. Todo o Soccer City, a torcida do Flamengo e o resto do mundo viram o claríssimo desvio. Mas Weeb e seu auxiliar, não. Em vez de escanteio, tiro de meta. Na sequência, gol do título espanhol. Que legal...

Mas a Espanha nada tem a ver com isso, até porque foi bem roubada naquela partida que a eliminou da Copa de 2002 contra a Coreia do Sul, não dá para esquecer. E também em 1962 contra o Brasil, outro crime de que foi vítima. Em campo, foi melhor, impôs seu jogo de toque envolvente, assim como fez contra a Alemanha, e venceu. Mas a falta de um definidor de verdade, um centroavante, poderia ter feito um campeão laranja. Com Fernando Torres muito mal fisicamente (conseguiu sentir o músculo nos pouquíssimos minutos que ficou em campo), David Villa acaba jogando mais enfiado na área, onde não tem muita presença e fica sem espaço para infiltrações, como a que gosta de fazer pela esquerda e que lhe rendeu importantes gols no Mundial.

A Espanha começou dominando, mas criando poucas chances. Devagar, a Holanda endureceu o jogo. Primeiro fisicamente. Depois, taticamente. Tanto que, ali pelo final do primeiro tempo, cheguei a comparar o duelo com uma luta de boxe. A Espanha entrou batendo e a Holanda, apanhando. Mas a Holanda resistia e aos poucos colocava a Espanha onde queria: com a posse bola, sim, mas cada vez mais em sua metade do campo, sem ameaçar a meta defendida por Stekelenburg. Aparentemente, a Holanda queria o jogo ali, aguardando a chance de um contra-ataque ou uma bola parada para decidir.

No segundo tempo, a Holanda não conseguiu exercer a mesma marcação e o jogo foi tornando-se cada vez mais perigoso para ela, pois em vez da posse de bola espanhola se dar da altura da linha média para trás, agora ela desenvolvia-se na metade holandesa do campo. Mas a estratégia de esperar pela chance de dar um bote fatal continuava lá, viva. Mesmo recuando - ou sendo recuada - cada vez mais, a falta de objetividade do ataque da Espanha mantinha viva essa esperança laranja de decidir tudo em uma jogada.

Curiosamente, apesar de todo o domínio e melhor futebol espanhol, pode-se dizer, sim, que a estratégia da Holanda deu certo. Ao menos, teoricamente. Porque a bola do jogo (ou a primeira bola do jogo) foi da Holanda, justamente como planejara: retomada de bola e lançamento ótimo de Sneijder para Robben, que entrou sozinho, cara a cara com Casillas. Mas o atacante do Bayer de Munique chutou na perna do goleiro do Real Madrid. Foi quase tudo como no script. Só que depois do mais difícil do plano dar certo (a criação da oportunidade), a parte mais fácil, a conclusão de Robben, deu errado. Isso foi aos 16'.

A essa altura, Jesus Navas, bom atacante pela ponta direita, havia entrado na Espanha, substituindo o sumido garoto Pedro. Acho que Navas deveria ter sido mais utilizado ao longo da Copa, ele dá mais profundidade e objetividade ao ataque espanhol. Enfim... Era uma tentativa espanhola de ser mais incisiva. E quase deu certo aos 24'. Como numa resposta ao gol perdido por Robben, Navas foi ao fundo e cruzou para David Villa desperdiçar uma chance incrível. Van der Wiel furou e Villa bateu de primeira, de dentro da pequena área, para uma defesa... Tá, esquece aquele incrível ali atrás, finge que não usei antes... Para uma defesa incrível de Stekelenburg! Na cobrança desse escanteio, Sérgio Ramos, completamente livre e abandonado dentro da área, errou uma cabeçada fácil, jogando por cima.

Esses lances em nada alteraram o panorama da partida. A Espanha continuava melhor e em cima e a Holanda, sem conseguir impor o seu próprio toque de bola, continuava apostando "naquela" jogada. Que saiu novamente aos 37'. Dessa vez, sim, creio que foi a bola do jogo. Um chutão da zaga foi desviado de cabeça por Van Persie e na velocidade, mesmo partindo depois, Robben deixou Puyol para trás, ficando de novo na cara de Casillas. Mas Robben demorou a finalizar, foi pressionado por Pique e perdeu para o goleiro ao tentar driblá-lo. Acho que não é à toa que há tanta gente sem cabelo nesse time holandês, porque desperdiçar duas chances dessas, nos pés de seu maior astro, numa final de Copa do Mundo, é de arrancar até os últimos fios mesmo... Talvez para evitar isso que eles já raspem logo tudo de uma vez.

Na prorrogação, a defesa da Holanda já não se compactava mais como antes e os espaços para as chances espanholas começavam a se oferecer com maior generosidade. Aos 4', por exemplo, Iniesta deixou Fábregas livre para marcar. Tal como Robben, o meia do londrino Arsenal entrou sozinho e tocou na saída de Stekelenburg... nos pés do goleiro. No minuto seguinte, Mathijsen quase marcou de bola parada, cabeceando por cima a cobrança de um escanteio. O zagueiro holandês, definitivamente, não estava com capacidade artilheira em dia: ainda no primeiro tempo, quase na pequena área, estragou de canela uma cobrança de falta muito bem ensaiada e executada.

O treinador Bert Van Marwijk percebeu que a situação estava ficando insustentável e tratou de tentar dar maior munição ofensiva ao seu time, tirando o volante De Jong e colocando Van Der Vaart. Mas o jogo estava agora mais ainda nos pés espanhóis. Aos 8' foi Iniesta quem demorou uma eternidade para finalizar, quando estava na cara de Stekelenburg, dando tempo para Van Bronckhorst salvar. Aos 10', Navas chutou forte de dentro da área, a bola bateu em Van Bronckhorst e desviou do goleiro holandês, que caiu para a direita e viu a Jobulani (mudaram ao nome da bola para a final, que coisa...) triscar sua trave esquerda e correr pelo lado de fora da rede.

No início do segundo tempo da prorrogação, Howard Webb viu puxão de Heitinga em Iniesta na frente da área e expulsou o defensor, que já tinha o amarelo. Robben reclamou muito porque num lance anterior com Villa ele se disse puxado, mas nada foi marcado. Eu não vi nada nem em um lance nem no outro. Segue o jogo... Com dez homens em campo, as chances holandesas de encaixar um contra-ataque caíam drasticamente. Mas ainda havia a esperança de uma bola parada. Como a que Sneijder cobrou e quase marcou, com a bola desviando na barreira para escanteio, que não foi marcado e... O resto hoje já é História.

Fernando Torres (substituiu David Villa) levantou da meia esquerda para Iniesta, que estava dentro da área, numa improvável inversão de posicionamento: o óbvio não seria o contrário, Iniesta levantar para Torres? Bem, Van Der Vaart rebateu, Fábregas pegou a sobra e enfiou para Iniesta, que ficou livre, com a bola quicando à feição, na meia direita da grande área. Meio que sem alternativa, o muito bom meia Iniesta foi praticamente obrigado a fazer algo que parece não fazer parte de seu vasto repertório: chutar a gol. E chutou bem, forte, cruzado, para baixo, sem chances de defesa para Stekelenburg, que viu a bola estufar a rede no seu canto direito.

Os holandeses reclamaram muito, pedindo impedimento no primeiro lançamento de Torres para Iniesta. Realmente, na hora me pareceu irregular a posição do carequinha espanhol. E, se estivesse irregular, o impedimento teria que ser marcado, porque ele obviamente era elemento ativo na jogada. A bola foi lançada para ele e por causa disso houve a intervenção de Van Der Vaart. Nas primeiras repetições, durante o jogo, continuei com a mesma impressão. O pessoal da ESPN também, apesar do bom Paulo Vinícius Coelho erroneamente dizer que Iniesta não participara do lance e que o impedimento só teria que ser marcado se Van Der Vaart tivesse deixado a bola passar. Mas como assim...? Deve ter sido cansaço do PVC... Bem, depois (na verdade, agora há pouco, via YouTube), por outro ângulo, achei que Iniesta estava na mesma linha de Van Der Vaart quando Fernando Torres tocou na bola. Um lance difícil, que seria mais fácil para o auxiliar levantar a bandeira, tanto que Iniesta olha para ele antes de sair comemorando.

No fim, Espanha justa campeã. Impôs seu jogo e nele apostou do primeiro ao último minuto do Mundial. Pena a tal falta de um centroavante. Talvez isso explique os constantes 1 x 0 em jogos nos quais teve bem maior tempo de posse de bola. Também teria sido justo uma eventual conquista da Holanda, que trocou um pouco de seu romantismo (mas seus três atacantes continuam lá...) em busca de um estilo mais pragmático que a levasse ao sonhado primeiro título. Não foi ainda desta vez, mas vencer todos os jogos das Eliminatórias e mais seis na África do Sul é prova de seus méritos. Foram duas grandes campanhas.

Casillas acabou salvando a pátria espanhola, num jogo em que protagonizou uma cena meio estranha, meio patética. Uma devolução de bola (aquele tal fair-play...) feita lá do campo da Holanda quase o fez levar um dos gols mais inusitados da história do futebol, porque o chute fraco, porém, alto, fez a Jobulani quicar à sua frente e quase o encobrir. Com a pontinha da luva, Casillas conseguiu tocar a escanteio. Na cobrança, Van Persie fez questão de rolar bem fraquinho para o goleiro a fim de evitar novo constrangimento... O que importa é que a bola não entrou e Casillas parou Robben três vezes, duas na cara dele. Xavi e Iniesta dominaram o meio-campo e Iniesta ainda acabou coroando sua grande Copa do Mundo com o gol do título. David Villa e Pedro não apareceram muito e, no pouco tempo em que esteve em campo, Jesus Navas foi bem mais produtivo.

Na Holanda, Sneijder nunca se omitiu, mas não conseguiu fazer seu time rodar. Ainda assim, num lance, poderia ter decidido a Copa, se Robben aproveitasse o ótimo lançamento que fez. Robben não estava bem, mas mesmo assim ainda perturbou bastante a zaga espanhola. Pena, para ele, que desperdiçou duas bolas que provavelmente teriam mudado o final da história. O capitão Van Bronckhorst despediu-se do futebol bem na defesa, salvando a pátria ao menos em duas ocasiões. Mas o melhor laranja estava de amarelo, o goleiro Stekelenburg, que corou uma ótimo Mundial com mais uma atuação muito boa.

Xavi, Iniesta, Casillas, Stekelenburg... Foram todos bons no dia da decisão da primeira Copa do Mundo em solo africano. Mas gostei mais da Shakira...

Link da página da Fifa sobre o jogo: Jogo 64: Holanda 0 x 1 Espanha.

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