sexta-feira, 5 de março de 2010

BRASIL ► Anistia não é impunidade

Um dos muitos gritos que certos setores da mídia brasileira desesperadamente vêm dando contra o governo tem como alvo a chamada "Comissão da Verdade", que, sinteticamente, quer colocar os pingos nos is, o preto no branco ou o clichê que quiserem usar sobre os anos negros da ditadura militar.

A história toda é bem simples: apurar os culpados por crimes cometidos durante esse período dito de exceção, caracterizado por governos autoritários e repressivos (como se pudesse haver uma ditadura que não seja repressiva...) que tomaram conta do país durante três décadas.

É uma questão polarizada, para usar um termo em voga em época de eleições: de um lado, os revolucionários (terroristas para os ditadores); de outro, a ditadura militar e sua prática da tortura.

O objetivo principal, mesmo, é não permitir que passem impunes à História aqueles que cometeram crimes hediondos contra a humanidade, os torturadores.

O discurso da direita (é, ainda existe e resiste firme e forte a direita neste país - e também existe esquerda) é absolutamente idiota, já que parte de um ponto de vista que revela que eles pensam que nós, "os outros", somos idiotas: "Ué, não houve anistia para os terroristas?" "Aqueles assassinos não foram anistiados?" "A anistia não foi ampla, geral e irrestrita? Não era para todos?" "Por que voltar a tocar nesse assunto?"...

É uma direita que apoiou e ainda defende a ditadura, seja implícita ou explicitamente, como no caso do editorial da Folha de São Paulo* que chamou a ditadura brasileira de "ditabranda". Lógico, quem escreveu não teve o pai amarrado a dois carros que partiam em direções opostas...

Realmente, um argumento desses só pode ser ingênuo ou ofensivo. Ofensivo por chamar o povo - essa palavra que odeiam - de ignorante.

Por quê? Simples: a anistia foi - e é - ampla, geral e irrestrita para todos aqueles que cometeram crimes durante a ditadura militar e que, após condenados, tiveram a liberdade retomada e seus direitos restabelecidos nos últimos suspiros daquele período de terror.

Ora, só um lado foi julgado durante a ditadura e todo mundo sabe qual. Os revolucionários foram caçados, assassinados, presos, assassinados, torturados, julgados (sabe-se em que condições...), torturados, condenados, torturados, exilados, assassinados... Obviamente, a repetição das palavras "assassinados" e torturados" não é falta de revisão nem mera coincidência.

Uns sobreviveram à prisão e outros, ao exílio. Com a anistia, tiveram suas penas comutadas e retomaram a liberdade, recebendo de volta seus direitos como cidadão.

Fácil de entender: condenados, receberam a anistia.

Falta o outro lado agora, já que, na ocasião, foi feito o acordo possível entre as partes. Assim revolucionários condenados e mortos e impunes torturadores entraram no mesmo saco da "anistia ampla, geral e irrestrita".

Mas para existir uma anistia deve haver um motivo, no caso, uma condenação. E, antes, um julgamento. Qual parte "eles" não entendem? Ou não querem entender?

Será que não é hora dos militares serem julgados? Ou melhor: será que já não passou a hora? Vários países sul-americanos estão à nossa frente nessa questão.

Aí alguns tabloides de nome reverberam o discurso de que "isso é revanchismo", "a anistia foi para todos" e um monte mais de blablablás covardes, de quem tem medo da verdade.

Revanchismo seria pegar um militar daqueles de qualquer escalão que tivesse participado da tortura e torturá-lo também. Ou pegar a esposa de um deles e violentá-la à sua frente. Ou "apenas" sodomimizá-la com um cabo de vassoura... Talvez pegar uma filha e fazê-la ver o pai no pau de arara. Ou ainda... Melhor parar, porque estômagos sensíveis podem começar a revirar. Isso, sim, seria revanchismo.

O que se quer é pegar esses seres ditos humanos e levá-los a julgamento. Sendo julgados e condanados pelo crime hediondo que cometeram, ninguém quer que apodreçam atrás das grades. Apenas queremos, a sociedade civilizada quer, a verdade exige, que criminosos sejam sempre julgados e condenados - e que paguem por seus crimes. E, neste caso, que paguem por seus crimes passando à História como torturadores durante o período mais triste vivido pelo Brasil.

Não, definitivamente eles não passarão sequer um dia atrás das grades. Afinal, a anistia não é ampla, geral e irrestrita e para todos? Para os torturtadores também. Mas a condenação deles é um legado importante a ser deixado para as futuras gerações do país. Um legado que dirá que aqui, no Brasil, a tortura não ficou impune. E que por isso jamais ficará.

O Brasil é um país que não irá evoluir com a pecha da impunidade estampada em sua bandeira. Os resquícios disso vemos em nosso dia-a-dia e exemplos, infelizmente ainda bastante atuais, são os covardes trotes que alunos abastados, jovens privilegiados, insistem em aplicar em faculdades. Eles o fazem com a certeza da impunidade. E são esses covardes protótipos bem acabados de criminosos que tomarão conta do país em um futuro próximo.

Outro dia, vendo mais um documentário sobre os anos da ditadura e a tortura (mais um daqueles em que militares negam-se a prestar depoimentos... ), um ex-prisioneiro político, preso, condenado, torturado, sobrevivente e anistiado, disse algo sintomático, que pode-se resumir assim: "Hoje ando de cabeça erguida e conto minha história aos meus filhos e netos. Será que os torturadores fazem o mesmo?"

Se depender de Globos e Folhas da vida, maus militares torturadores jamais precisarão tocar no assunto com familiares, muito menos com a Justiça. Aliás, se depender dessa parte da mídia, acabam criando uma teoria revisionista dizendo que a tortura não existiu no Brasil.

*Sobre a Folha de São Paulo e a ditadura, vale a leitura do livro de Beatriz Kushnir, "Cães de Guarda - Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988", editora Boitempo.

Um comentário:

Unknown disse...

Aqui, você disse tudo, parabéns!

"Hoje ando de cabeça erguida e conto minha história aos meus filhos e netos. Será que os torturadores fazem o mesmo?"