sábado, 27 de fevereiro de 2010

CARNAVAL ► Globo se supera, dá as costas para as escolas de samba e faz pior transmissão da História

E para a Liesa, tudo bem?
(Publicado em OBatuque.com em 26 de fevereiro de 2010)

Quando foram anunciadas mudanças na coordenação da transmissão do desfile das escolas de samba do grupo Especial feito pela Rede Globo, agora sob responsabilidade de Roberto Thalma e Boninho BBB, cheguei a pensar em fazer um artigo com o título “Promessa ou ameaça?”. Só que resolvi dar um crédito à emissora, não ser negativista. Mas às vezes as coisas são como dizem por aí: de onde menos se espera é que nada vem mesmo.

Uma vez, em 1995, ao comentar no programa noturno de domingo da extinta Rede Manchete a final do Campeonato Carioca entre Flamengo e Fluminense, vencida pelo Tricolor com o antológico gol de barriga de Renato Gaúcho no fim da partida, o comentarista Márcio Guedes observou que há uma tendência natural a engrandecermos e contextualizarmos os fatos com o passar do tempo, em retrospectiva. “O maior isso”, “o maior aquilo” etc. Mas ali, naquela noite, ele disse, sem medo de errar (em suas próprias palavras), que aquele havia sido o maior Fla-Flu da História.

Eu, aqui, vou só escrever o óbvio, porque muita gente tem comentado isso por aí: a Rede Globo conseguiu fazer a pior transmissão de desfiles de escolas de samba da História da televisão.

Começar por onde? É chato ficar falando mal quando todo mundo já fala. É como chutar bêbado. Mas perguntei a várias pessoas: “Por favor, houve alguma coisa legal na transmissão dos desfiles pela Globo para que eu possa citar na coluna?” Até agora... Bem, talvez a imagem em full HD estivesse um deslumbre, mas ainda são poucos os que têm acesso a essa tecnologia. Eu não tenho, então, vou apenas comentar uma ou outra coisa ruim.

Não vi a transmissão toda, claro. Quem nos acompanha sabe que OBatuque.com esteve aquartelado em Campinho, na Intendente Magalhães, acompanhando os desfiles das escolas de samba da AESCRJ. Mas, graças ao bom e velho videocassete, vi a transmissão integral do desfile da União da Ilha, alguns momentos de escolas da segunda-feira e trechos da campeã Unidos da Tijuca.

Houve uma série de lambanças que uma emissora do porte da Globo, com os recursos que tem e a experiência de dezenas de carnavais, jamais poderia cometer. Mas o principal de tudo foi o desrespeito escancarado com as escolas de samba. Onde já se viu alguém dar as costas para uma escola de samba enquanto ela passa à sua frente? Os profissionais globais se aboletaram numa patética tentativa de recriação do bom “Botequim da Manchete”, sentaram de costas para a pista e... acompanharam o desfile por um telão??? Como assim???

Deram a isso o nome de “Esquina do Samba”, mas deveria ser “Esquina da Vergonha”. Como pode ignorarem a tradição do samba, não prestarem seus respeitos a baianas, mestre-sala e porta-bandeira, velha guarda, que passavam ali, bem em frente? Além disso, interrompiam os desfiles de uma agremiação para entrevistar gente de... outra agremiação! Ninguém me contou, eu vi. Exemplo: a Vila crescia na Avenida e a Globo cortou para a “Esquina da Vergonha” para conversar com pessoas da Mangueira.

Esquenta? Grito de guerra? Entrada da bateria? Desfile ala a ala? Tudo aquilo que a gente gosta de ver, não vemos na Globo. Mostrar essas cosias deve ser algo muito complicado. Claro, porque não queremos imaginar que a emissora que detém exclusividade na transmissão não esteja nem aí para isso. Preferimos crer que não conseguem - ou será que não querem, não têm interesse mesmo? A transmissão do grupo de Acesso do ano passado lembrou como se faz. A Manchete fazia décadas atrás. Não é difícil.

Fora outros... foras. O que foi aquele texto de abertura do desfile? Como disse alguém, parecia texto do Pedro Bial no BBB. Ah, e o desfile da Ilha não foi a abertura do carnaval: alguém tem que avisar à Globo que o carnaval não é o que ela transmite. O carnaval é aberto sexta-feira, quando o Rei Momo recebe a chave da cidade das mãos do prefeito, e encerra-se na terça. Não começa no domingo e acaba na segunda.

Para diminuir ainda mais o tempo de cada escola no ar, exibiam vídeos de 5, 6 minutos APÓS o início do desfile. A animação gráfica que anunciava as escolas fez da tricolor União da Ilha uma agremiação vermelho e branco. E aquele palco de publicidade no curral da bateria? Não, não me venham com essa de que aquilo foi feito com aquela inclinação para facilitar o trabalho dos mestres de bateria, isso é fazer muito pouco deles. Aquilo é só mais um espaço absurdo de publicidade. E ainda havia repórter entrevistando ritmistas... Aliás, uma poluição visual tremenda durante toda a transmissão, mal se via as escolas.

Comentaristas e apresentadores? Haroldo Costa tem uma gama imensa de serviços prestados ao nosso carnaval e às escolas de samba. Foi a única voz entendida na transmissão. Chico Pinheiro... O que foi aquilo?  Luis Roberto é um bom profissional, visivelmente esforçado e que trabalha com correção, mas não havia muito o que fazer naquela situação.

Geraldo Carneiro? Pedro Luís? Deborah Colker? Comentando desfile de escola de samba? Melhor passar batido. Acredito que a ex-bodyboarder Glenda Kozlowski tenha feito alguma pesquisa, mas,
além de um tom deslumbrado, as palavras saíam de sua boca da mesma forma que eu falaria, por exemplo, sobre a Semana de Moda de Nova York ou microbiologia molecular: sem espontaneidade ou credibilidade alguma. O que eu entendo de moda ou microbiologia? Nada.

Aliás, a moça parece mal orientada. O outro dia apresentou o Globo Esporte sentada de pernas cruzadas em cima da bancada. É assim que se entra na casa dos outros para transmitir informação? Informalidade tem limite para um programa jornalístico. E a credibilidade, onde fica? Como levar a sério uma postura assim? Mas, enfim, ela é que está na boa, trabalhando na Globo, ganhando bem, e eu aqui, ralando no OBatuque.com, onde trabalhamos apenas por prazer.

E, definitivamente, alguém precisa dizer a essa gente que nós, pelo menos eu e todo mundo com quem comento, não temos o menor interesse em ver a cara de apresentadores e comentaristas durante um desfile de escola de samba. Quem disse que queremos ver essa gente enquanto comentam? Queremos no vídeo a imagem das escolas! Na minha ignorância, jamais conheci o rosto do falecido Roberto Barreira enquanto vivo (depois pesquisei no Google), ele que com tanto brilhantismo participou das cada vez mais saudosas transmissões da Manchete – saudosas, principalmente, pelo respeito que demonstravam à instituição escola de samba.

E não o conhecia simplesmente porque não era importante colocar no vídeo, durante a passagem das escolas, a cara dele, do Pamplona, do José Carlos Rêgo, Haroldo Costa, Mestre Marçal, João Saldanha... Quem queria ver isso? Eu, não. Mas vivemos uma era em que o jornalista cisma de ser mais notícia que o próprio fato. Em nosso caso, o fato que é notícia é o desfile das escolas de samba. Difícil entender isso?

Culpa da falta de concorrência. No tempo em que Globo e Manchete transmitiam, a Manchete era sempre melhor, mas a transmissão da Globo não era essa lástima de hoje. Havia um esforço para acompanhar a rival.  Sozinha, a Globo não parece estar nem aí para a qualidade da sua transmissão dos desfiles de escolas de samba.

Responsabilidade da Liesa

Em grandes eventos esportivos, como Olimpíadas, Copa do Mundo e jogos das grandes ligas norte-americanas (NBA, NFL...), os organizares cuidam da qualidade do trabalho das emissoras responsáveis pela  geração das imagens dos eventos. Elas pagam pelo direito e tanto podem transmitir sozinhas como negociar com outras emissoras. Mas são cobradas. Há pouco tempo, os chefões da NBA exigiram maior qualidade nas transmissões das suas partidas. Tanto o Comitê Olímpico Internacional como o Panamericano estabelecem padrões de qualidade para as transmissões de seus Jogos. Há vários outros exemplos mundo afora.

E aqui? A Liesa deve estar satisfeita com o trabalho global, já que não se ouve qualquer cobrança. Se a Liesa negocia os direitos exclusivos de transmissão com a Rede Globo, deve cobrar qualidade à altura do evento, e não fazer entrevistas promocionais afiançando desculpas para a má transmissão (culpa do Sambódromo, da luz, do asfalto...). A Globo fatura muita grana com o desfile. Muita! Deve ser cobrada à altura. Ou só o dinheiro já basta para a Liesa?

Aliás, como evento cultural que é, os desfiles de escolas de samba deveriam ter transmissão liberada para todas as TVs Educativas do país e jamais ser propriedade exclusiva de uma emissora privada. Da mesma forma que os jogos da seleção brasileira de futebol. Em outros países, as redes estatais transmitem os jogos. A Rai (Itália), a RTP (Portugal), TV5Monde (França)... No Brasil, não. Mas isso é outro papo.

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