domingo, 7 de fevereiro de 2010

CARNAVAL ► Vestir uma camisa listrada e sair cantando por aí no carnaval pode fazer mal ao bolso

Boa matéria publicada na “Revista de Domingo”, encarte de 31 de janeiro do jornal O Globo, com o título “Com o cadastro da prefeitura em mãos, o Ecad aperta o cerco aos blocos”. Quem puder, vale a leitura.

Responsável pela arrecadação e distribuição de direitos autorais de músicas e de posse do cadastro na prefeitura dos blocos de rua que desfilarão este ano no Rio de Janeiro, o Ecad quer multar os organizadores que não pagarem os direitos autorais das músicas cantadas em seus blocos.

Segundo a matéria, “o cálculo dos direitos autorais é baseado na quantidade de pessoas: R$ 4,00 por folião”. Então imaginem vocês: se o Cordão da Bola Preta levar dois milhões de pessoas ao Centro do Rio, deve pagar 8 milhões de reais ao Ecad. É sério isso? Seria o fim do mundo para os blocos.

Ouvido pela reportagem da revista, um representante do órgão disse que antes do cadastro na prefeitura eles iam atrás de um bloco sempre que sabiam de sua existência. Então agora, sabendo antes, não vão atrás para saber as músicas executadas? Ou haverá um acordo, de mentirinha ou não, sei lá, com os organizadores apresentando um repertório e pagando antes pela execução de apenas aquelas músicas listadas? E nada da massa pedir bis ou improvisos, hein? Nem pensar vestir uma camisa listrada e sair cantando o que quiser por aí!

Acho surreal - e injusto. O Ecad tem uma função vital para garantir o direito dos autores, claro, mas isso é exagero e diria até imoral. Afinal, bloco de rua não cobra ingresso. Então se eu quiser pegar minha família, vizinhos e amigos e sair pelas ruas batendo em panelas cantando marchas de carnaval, vou ter que pagar direitos ao Ecad? De acordo com os argumentos apresentados na matéria, até em festinha de aniversário corremos risco de pagar direitos autorais. Torcida cantar música no Maracanã? Não pode também. Procissão religiosa? Direito$ para os autores dos hinos.

Falta bom senso nesse esforço do Ecad. Obviamente, nenhum bloco de rua pode arcar com essa cobrança, mesmo os maiores. Então vai rolar um acordo, uma conta de chegar, que satisfaça ambas as partes. O que deixa dúvidas sobre a legitimidade da cobrança. Não falo da legitimidade legal, mas da legitimidade moral de cobrar direitos autorais em eventos que não cobrem ingressos. Isso é uma ameaça a eventos realmente populares.

Ainda na mesma matéria, o querido João Roberto Kelly defende a posição do Ecad: “Adoro os blocos de rua. Mas o trabalho do Ecad é importante porque vários compositores, como eu, vivem disso.” Só que tomo a liberdade de discordar do genial compositor de marchinhas de carnaval, pois são os blocos de rua cantando clássicos como “Cabeleira do Zezé” que eternizam compositores como ele, Lamartine Babo, Haroldo Lobo, Zé Keti e Braguinha, que desse modo têm suas músicas levadas para os bailes, shows e discos de carnaval, onde, aí assim, a cobrança de ingresso e a comercialização fazem obrigatória a contrapartida ao Ecad.

Sem os blocos de rua, talvez não lembrássemos mais de “Cabeleira do Zezé”, “Me Dá um Dinheiro Aí”, “Mulata Iê-Iê-Iê”, “Mamãe Eu Quero”, “As Águas Vão Rolar”, “O Teu Cabelo Não Nega”, “Índio Quer Apito”, “Bandeira Branca”, “Linda Lourinha”, “Linda Morena”, “Máscara Negra”, “Pastorinhas”, “Até Quarta-Feira”, “Allah-Lá-Ô”, “Cachaça”, “Chiquita Bacana”, “Marcha do Remador”, “A Jardineira”, “Pierrô Apaixonado”... São os blocos de rua que divulgam e eternizam os autores dessas marchinhas maravilhosas - e de graça! Quer forma de divulgação maior e melhor que essa? E permanente, que se repete ano após ano.

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